quinta-feira, 8 de julho de 2010

O meu amor

O meu amor tem um jeito manso que é só seu, e que me deixa louca quando me beija a boca, a minha pele toda fica arrepiada. E me beija com calma e fundo até minh'alma se sentir beijada. O meu amor tem um jeito manso que é só seu, que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos com tantos segredos lindos e indecentes. Depois brinca comigo, ri do meu umbigo e me crava os dentes.

Eu sou sua menina, viu? Meu corpo é testemunha do bem que ela me faz.

O meu amor tem um jeito manso que é só seu, que me deixa maluca quando me roça a nuca. E de pousar as coxas entre as minhas coxas quando se deita. O meu amor tem um jeito manso que é só seu de me fazer rodeios, de me beijar os seios, me beijar o ventre e me deixar em brasa. Desfruta do meu corpo como se o meu corpo fosse a sua casa.

Eu sou sua menina, viu? Meu corpo é testemunha do bem que ela me faz.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Sem falsa modéstia, eu logo soube que você seria minha. Não (só) por nossas noites de fim inesperado e aquele bombom de brigadeiro. Não (só) porque você riu comigo quando ouvimos que o Rogério ia trabalhar um pouquinho. Não (só) pelo nosso namorinho no ponto de ônibus, até perdermos todos.
Mas (também) por perdermos a hora, perdermos o rumo, por não querer ir embora. E não ir. Por ter enfrentado minha falsa exacerbada pretensão. Pelo bar, que nos implorava: "apaixonem-se".
Hoje, só por sê-lo contigo, encontro-me na lista dos afortunados seres mais felizes do mundo. Porque não há um problema sequer que sobreviva ao teu sorriso, ao teu afago. Faz frio e eu te queria mais perto, cheirar tua nuca e adormecer em teu calor.
Tenho medo dessa felicidade toda.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Há de se ser frio para girar a chave, assim, na porta, como se fosse uma saída qualquer. Pouco antes, enxergara o reflexo de seu vulto no espelho que fica no fim do corredor. Foi orgulho o que sentiu ao ver a inocência antes habitante daquele rosto perder o reinado para olhos de brilho cruelmente charmoso.
Bateu a porta sem força, mas o barulho retumbou no peito. Prazer. "Então é assim que sorriem os sádicos", pensou. "Com sangue escorrendo entre os dentes". Sábios. Questão de segundos para mudar a fisionomia e a emoção. De humilhação a prazer. Há de se ser frio para sorrir assim após tomar essa decisão. Pois, com tal escolha, acordaria também o não mais pertencer à sociedade. "A sociedade é que pertence a mim", completou em pensamento, para deixar a frase bonita.
De cidadã comum a psicopata marginalizada. Até as unhas, que até então representavam sua destreza e caráter absurdamente confiável pelo rigor do zelo (era de alinhamento e brilho invejáveis) agora, roídas e pintadas de vermelho, com o esmalte descascando, a expunham como uma vilã barata de minissérie de quinta. Ou uma putinha qualquer.
Foi-se sem trancar a porta. Era o dia da subversão. Guiou calma e sem pressa. Não queria que nada lhe ancorasse no caminho. Entrou sem bater. Já de luvas, pegou o canivete na mesma gaveta de sempre. Encontrou-o dormindo, como esperava. Deu-lhe um beijinho na ponta do nariz para que acordasse tranqüilo. Fez questão de que se olhassem nos olhos. Espetou-lhe a garganta. De longe, pra não se sujar de sangue.
Entrou na padaria vizinha louca por um cigarro e um café.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O mundo é um moinho

Ainda é cedo, amor. Mal começaste a conhecer a vida, já anuncias a hora de partida sem saber mesmo o rumo que irás tomar. Preste atenção, querida. Embora eu saiba que estás resolvida, em cada esquina cai um pouco a tua vida. Em pouco tempo não serás mais o que és.
Ouça-me bem, amor. Preste atenção, o mundo é um moinho; vai triturar teus sonhos, tão mesquinho. Vai reduzir as ilusões a pó.
Preste atenção, querida; de cada amor, tu herdarás só o cinismo. Quando notares estás à beira do abismo. Abismo que cavaste com os teus pés.

(CARTOLA. O mundo é um moinho, 1976)


terça-feira, 23 de março de 2010

Levê-me

Tem tanta gente querendo morrer. Tem tanta gente que morre querendo viver. Puta sacanagem. Noites em claro, pesadelos quase menos piores que a vida "real". Escape, sonho não se controla. Ou sim, mas eu não consigo. Não é esse o ponto. O que me consola é lembrar das minhas agonias, nesse mesmo lugar, e dizer-me: ainda bem que não morri. Passada a ressaca, a vida me trouxe gratas surpresas que eu não teria vivido se minha vontade tivesse sido realizada.

Felicidade dói. Dói porque não é uma constante. Não é como ser um metro e quase sessenta, que, com mais alguns centímetros será a medida do meu caixão. É um estado, é coisa que passa.

O tesouro não deveria vir pela batalha. Quando é difícil, a gente valoriza, a gente se apega. Eis aí a pá com a qual cavamos nossa cova: te apega, só pra ver. Passa. Acaba. É finito.

A fumaça subindo na minha cara me deu a sensatez de pedir exatamente aquilo que preciso. Simples, sem drama. Quero o remanso de CB para dizer serena e convictamente algo que não poderia fazer mais sentido: passou este verão, outros passarão, eu passo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Drama e Pulôver

Conforme o combinado, não começaríamos este drama falando sobre o tempo. No entanto, logo percebemos que inventamos as regras para podermos quebrá-las sem culpa. Pois bem. Adiantamos logo no primeiro parágrafo: frio.
Frio para que imaginem nossos interlocutores com casacos forradinhos e cachecol. Não, casacos forradinhos lembram ternura, e não é esse o sentimento que queremos despertar. Entendam, ela de pulôver cor de vinho gola alta, ele de camisa branca e gravata. Frio, não?
Frio com chuva. Uhum. Calma, controlem suas mentes apressadas que já estão vendo noite, lareira, vinho tinto e vamos fazê-lo aqui no tapete mesmo. Noite, não. Manhã. A chegada repentina da chuva, que assustou nossos protagonistas, de fato, deixou tudo mais charmoso. Foi o que pensaram. Todo esse aconchego, pra não querer estar ali.
No sofá. O temporal cortou temporariamente a eletricidade (poderíamos ser mais óbvios?). Nenhum contato físico. Distância segura. Sentados lado a lado só pra disfarçar a hostilidade, mas um desconforto mútuo e um silêncio constrangedor os separa. É claro que lhes vêm à cabeça o como tudo foi ficar assim, e todas aquelas horas no telefone? Pieguice demais, uma revistinha de palavras cruzadas com uma atividade não terminada em cima da mesinha de centro, um pratinho com alguns farelos de biscoito. Logo as formigas vêm, mas dá medo de se mexer, devaneou a moça. Os ponteiros do relógio andando mais devagar que o normal. O cenário está pronto, atentemo-nos à pouca ação (vinte minutos que pareceriam vinte horas).
Ele fingia ler a Época, ajeitando os oclinhos de fina armação. Na verdade, a espionava. A revista, a gravata, os oclinhos e até a chuva eram desculpas para ficar ali um pouco mais. Já que seria o último dia. Isso foi o melhor que conseguimos na tentativa de criar um clímax.

Decidiu-se enquanto observava. Ela não conseguia esconder a impaciência, pernas balançando, unhas roçando na própria corrente de bolinhas que levava no pescoço causando um barulhinho chato. Ele percebeu tudo. Disse baixinho que a amava. Ela sorriu sem mostrar os dentes, se levantou e foi até a cozinha. De lá, gritou perguntando se ele queria mais biscoitos, mas quem teria fome numa hora dessas?
Só se fosse pra comer você, verbalizou em silêncio. Provocou um toque sutil de mãos quando ela voltou a se sentar. E, nada. Ela não tirava os olhos dos biscoitinhos de fubá que trouxera da cozinha, ele querendo ou não. Você foi longe demais.
Nada doeu mais que a falta de brilho nos olhos. Lembrou-se de quando a pediu em namoro, os corações palpitando e o indiscutível brilho nos olhos. Não restava mais nada, e o barulho da chuva era de chuva qualquer. Quando foi que a perdi?

Deixa pra lá.
- A chuva estiou. Melhor eu ir.
Despediram-se com um selinho gelado e rápido. Foi embora e não voltou mais. Ela nem notou.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Suma de lá

Como eu, que sou toda à flor da pele, poderia me esquecer? Eu estava , me entende? Não só soube, não só vi o troféu.
Eu estava lá quando ela saiu ajeitando os cabelos, fechando o zíper. Nem precisaria perguntar, a cara de criança que acabou de aprontar uma bobagem já me contava até muito mais do que minha curiosidade ousaria querer saber. É claro que, pra ela, não bastou.
Veio-me com aquele sorriso cúmplice e perverso, procurando em mim uma confidente e uma fracassada a quem pudesse se gabar. Ou algo do gênero, porque, pra mim, qualquer esforço vindo dela seria em vão; desde sempre a vi como uma patética (existe definição mais pesada que "patética"?) tentando imitar alguma coisa.
E, com uma frase simples, declarou minha sentença: daquela noite, eu não iria esquecer tão cedo.

As menos de três palavras que me confirmaram o que eu já sabia me fizeram enxergar. E eu ainda vejo, me entende? Te vejo com ela, naquela noite. Tuas pupilas dilatadas enquanto era a ela que você via. Enquanto sussura no ouvido dela, respira no pescoço dela, mordendo, sugando, chupando, comendo - ai, meu Deus, como me dói!

Três palavras, um sorrisinho e se levantou. Foi até a pia e lavou a boca. Tratou a água como se fosse um desinfetante. E saiu, pateticamente exultante, de encontro ao oficial. Beijou-lhe no rosto, tentando disfarçar com os olhos arregalados de sempre e leves tropeços no seu caminhar torto.

E você, seu bosta? Saiu pouco depois, sozinho, escondido como um rato que foge sorrateiramente do esgoto para que ninguém o descubra. Podia nem gritar sobre a vitória recente da liberdade e do ar puro que encontrara nas ruas da cidade, pra não chamar a atenção e ser esmagado. E, assim, você saiu. Passou por mim, e nem me viu.

Não é fácil esquecer. O que você ficou fazendo no meu passado todo esse tempo em que te fui invisível? Suma, sabe? Suma de lá, nasça agora, nunca tenha existido sem mim. Suma do meu passado, venha para o meu presente e fique para o meu futuro.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Quando o estranho está

Sinto um estranhamento familiar. É o fim ameaçando chegar. Quase não há coisa pior do que sentir os pés nessa corda bamba. Querer se manter lá em cima, mas o corpo reclamando do cansaço que o esforço pra se manter em equilíbrio lhe tem causado.
Não, não quero desistir. Mas falo aqui do prenúncio. A última vez que o senti, eu, de fato, escorreguei. E doeu. O que veio depois foi, por que não dizer, punk. Jurei para mim mesma que jamais deixaria o estranho se aproximar novamente. Faria de tudo pra evitá-lo. Mas não é assim, meus caros. O estranho não aperta campainha. Ele, simplesmente, está.
Invadindo meus sonhos, meu travesseiro, minha alma, meus cabelos. É aquela palavra que começa a dar medo dizer. São as pequenas coisas que começo a evitar porque, de repente, nos costuramos num tabu no qual nada se nega e nem se afirma. Corda bamba, o prenúncio. Vem com aquela música dos Beatles que já me alertou antes, e, todo esse tempo depois, voltou a me assombrar.

You're gonna lose that girl.
(Yes, yes, you're gonna lose that girl)
You're gonna lose that girl!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Estação

Cidade pequena. Um dos pontos centrais. Todas as pessoas que fossem de algum lugar qualquer para qualquer outro, passavam pela Estação. Havia gente pela manhã, à tarde e à noite. Volta e meia, um ou outro caía por lá mesmo pela madrugada. Mas era à tarde que calhavam as mais singulares incidências.
Era mais feia que eu, mas nem por isso deixava de exercer sobre mim uma certa simpatia peculiar. Percebi-a sutilmente, quando senti me arder o rosto ao tentar responder alguma pergunta tola de duplo sentido. E surpreender-me constrangido, não sei a vocês, mas a mim causa um rebuliço jocoso, que leva o ardor antes facial para toda a região do meu peito, induzindo-me a um acanhamento de proporções estúpidas, do tipo deixar transparecer.
Alguns dias depois, sem a menor necessidade de esconder a presunção, me perguntou o porquê do nervosismo daquela tarde. Menos pelo conformado-que-não-chora-sobre-o-leite-derramado que sou e mais pela distância segura em que me encontrava, vi-me sem a menor necessidade de mascarar o ocorrido. De fato, creio que a situação só pioraria, talvez eu parecesse ainda mais bobo se inventasse desculpas. Joguei-lhe na cara: porque me deixas nervoso, sem mais nem porquê. Falei pensando: mas não de paixão, eu acho, minha cara. Nervoso de nervoso. Pela incerteza que me encontrei em pensamento, achei mais sensato não revelar tantos detalhes. Deixas-me nervoso, sem mais nem porquê.
Vaidosa, logo quis se aproveitar de minha fragilidade recém-descoberta e me perguntou algo que não deveria ter perguntado. Não se me quisesse assim, em suas mãos. "E tem mais alguém que te deixa assim?"
Sim, havia. Não precisei fazer uma grande busca na minha memória para me lembrar. Na verdade, não fiz busca nenhuma. Antes mesmo que ela terminasse a pergunta, já me veio à cabeça a imagem. Uma tarde como essa, na mesma Estação, mas outra garota. Essa, pelo contrário, não me fazia perguntas. Tinha o dom de me provocar sutilmente pelo jeito como me olhava, como mordia os lábios e pelo tom de voz usado quando me dirigia a palavra. Era eu quem fazia as perguntas, mas ela quem dava as cartas. Cada palavra era, pra mim, um desafio. Eu sentia uma vontade irracional de aceitar cada um deles, mas o meu medo de fazer feio e destruir o encanto era maior. Saí com algumas palavras elegantes e um copo de café.
É claro que essa parte eu não contei. Apenas lhe disse que sim, havia alguém, e, no mesmo momento, vi meu medo sumir, e, com ele, o tal vagaroso encanto. Em seu lugar, passei a pensar apenas na garota da outra tarde. Que não vi mais por lá, mas, desde então, tenho procurado para contar-lhe do receio charmoso que sua presença me traz.

E a Estação tem exercido sobre mim um fascínio duvidoso, como um nostálgico dos anos dois mil, que sente saudade daquilo que nunca viveu.

Tem gente que espera flores

Eu, que nunca fui muito das rosas nem de Deus, me encontro agora neste ritual quase religioso e de quase adeus. Elas já estavam partindo, de cabeça baixa. Escolhi a mais forte e bonita.
Agora, a enterro nas pesadas páginas deste meu relato.
Para que, aqui, seque. Para que, aqui, morra.
Para que, aqui, renasça, a cada sentir falta.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Se um homem devesse viver a sua vida em toda a plenitude, dar forma a todos os sentimentos, expressão a todos os pensamentos, realidade a todos os sonhos, creio que o mundo ganharia um novo impulso de alegria que nos levaria a esquecer todos os males do medievalismo e a regressar ao ideal helênico. Talvez mesmo a algo mais refinado e mais rico que o ideal helênico. Mas o mais ousado de todos nós teme a si mesmo. O selvagem mutilado que nós somos sobrevive tragicamente na auto-rejeição que frustra as nossas vidas. Somos punidos pelas nossas rejeições. Todo o impulso que esforçadamente asfixiamos fica a fermentar no nosso espírito, e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e mais não precisa, pois a ação é um processo de purificação. E nada fica, a não ser a lembrança de um prazer, ou o luxo de um pesar. Ceder a uma tentação é a única maneira de nos libertarmos dela. Se lhe resistimos, a alma enlanguesce, adoece com as saudades de tudo o que a si mesma proíbe, e de desejo por tudo o que as suas leis monstruosas converteram em monstruosidade e ilegalidade. Diz-se que as grandes realizações deste mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e só aí, que ocorrem os grandes erros do mundo.

(WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray, 1891)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Apaixone-se por mim.

Não um amor de mesa posta, talheres de prata, toalha de renda, não um amor de terça-feira, água morna, gaveta arrumada. Apaixone-se por mim no meio de uma tarde de chuva, rua alagada, rosas na mão, um amor faminto, urgente, latejante, um amor de carne, sangue e vazantes, um amor inadiável de perder o rumo o prumo e o norte, me ame um amor de morte. Não me dê um amor adestrado que senta, deita, rola e finge de morto, que late, lambe e dorme. Apaixone-se felino, sorrateiramente e assim que eu me distrair, me crave os dentes, as unhas, role comigo e perca-se em mim e seja tão grande a ponto de me deixar perder. Ame minhas curvas, minha vulva, minha carne, me fecunde e se espalhe por meus versos, meus reversos, meus entalhes. Faça eu me sentir amada, desejada, glorificada em corpo e espírito que eu nunca soube o que é ser de alguém, mas preciso que me ensines, que me fales, que me cales, amém.

ANTONIETE, Patrícia.
Realmente o que queremos é comida rápida, em embalagem descartável. Comer e nem sujar a louça.

De fato troquei este que já me foi muito estimado blog por um espaço viciante limitado por apenas 140 caracteres.
Tá aí uma possível resolução para 2010: voltar a tentar escrever.

Quem sabe!