domingo, 16 de agosto de 2009

O Estopim


Bateu. Via a lua tocar o horizonte, no mar. As folhas das árvores entre cá e lá pareciam formar a sombra de uma mulher sentada, nua. Divertia-se sozinha tentando imitar a pose da mulher tão ensimesmada, tão absorta, refletida na luz lograda pela lua. Cogitou abordar a moça pra tirá-la do sério, e riu alto ao perceber que a água estaria muito gelada, e seria impossível chegar até lá. Foi ao ver a crescente dança das águas que percebeu o vento forte os mandando ir pra casa. Frio.

Seu menino fez menção de abraçá-la, à que logo foi rejeitado. Melhor ir embora, ela disse. Dirigiu ouvindo que ainda era cedo, vem comigo, vamos ver as estrelas mais um pouco, pode até ser na tevê. Ela pensava mais rápido do que podia falar, e mais ainda do que podia ouvir. Os argumentos não cessaram (pra quê olhá-la nos olhos?), muito menos os pensamentos. Que na cabeça estavam os outros amores, e como cada um deles (principalmente delas) conseguiu levar consigo uma parte - e não era do coração, era do sorriso - que não devolviam nunca mais.

Beijou-o com orgulho ao perceber que, mesmo ainda sentindo por cada um que lhe arrancou uma história, não queria estar beijando nenhuma outra pessoa no mundo inteiro naquele momento, nem se pudesse escolher, nem se tivesse fila. Sentia-se bem, só isso.

No entanto, até das certezas ela duvidava: sabia também que, pelos mesmos dedos que então exploravam aqueles fios de cabelo cacheado, o dono da cabeça logo iria escorregar feito água. Mais um a menos. As pessoas se cansam. Já nem sabia mais se era segredo ou não, mas, de fato, além dos pedaços do sorriso, tiraram dela, também, a capacidade de se importar com isso.

Elconsorte mal bateu a porta do carro, e ela acelerou. Colocou um chiclete novo na boca e acelerou, apática e vazia.