domingo, 15 de novembro de 2009

Eu tenho um vício

que pode-se chamar de pai de todos os outros, soberano perto do álcool, do cigarro, da pirofagia. Meu vício não me esquece. Ele me encontra e me possui noite adentro, dia afora. Quando algum estrondo qualquer me chama de volta à realidade. Onde eu estive? A olhar pela janela enquanto a banda passa. Presa à minha cama, aos meus cinco minutinhos mais. Prostrada ao teto, lembrando, inventando, desejando, e esperando. Dessas criaturas que não saem da tela, de peles que têm escamas.
É assim que me componho: de pele quente e saudade. Mas já me acostumei às paredes frias do banheiro, que o meu lugar é na fila. Eu sou aquela que pode ficar pra depois, que não tem nada importante a dizer. Que não reclama, não acrescenta. Fui feita pras horas vagas, quando não estiver chovendo e você quiser me visitar, no meio da noite, quem sabe. Eu sou uma viciada, já mencionei?
Meu vício é tão forte que me seca os olhos, que me faz distante. Não penso em recuperação. Não sei o que é uma crise de abstinência, pois nunca passei um segundo sóbria. Eu bebo, eu fumo, eu como, eu ouço, eu durmo. Esse é o meu lugar, nem agora nem depois. Eu quero mais cinco minutos porque eu sei. Acaba sem demora. E, antes mesmo de acabar, eu já sinto o quanto vou sentir da lembrança do que agora se grava. Não é melhor que ontem, mas também, não é pior que amanhã. Se ele chegar. Vejo meus olhos secos se inundarem de terra e acho que finalmente não tenho mais tempo. Pra nada. Nem mais cinco minutinhos.
Meu vício, amigo, é esse se não te ficou bem claro. Estou deitada e já fechei os olhos. A terra incomoda, mas estou deitada e já fechei os olhos. Agora não parece tão mal. Melhor que ir lá pra fora e ser pior. Não consigo, sou viciada, me entenda. É cômodo aqui pra mim, eu fico. Quantos cinco minutinhos a mais eu puder. Sou viciada em conforto. Sou filha da preguiça. Tenho sono e só volto quando o vento me aqui trouxer. Até lá, o quê? A banda? Já vi. Já se passaram tantos carnavais. E eu aqui.