quarta-feira, 18 de abril de 2012

A Garota que Parava no Sinal Vermelho

Andar e escrever SMS simultaneamente não é um hábito muito saudável. Principalmente quando se está dirigindo. Saiu até matéria no jornal da manhã. Mesmo com cara de pirralha e sendo, assim, tão ~subversiva~, não havia sinal vermelho em que ela não parasse. Não furava um. Mesmo à noite, sem fiscalização eletrônica e nem sinal de vida ao redor, ela sempre parava, e aguardava. Sempre foi de respeitar filas, esperar a vez. Embora fosse uma bela duma irresponsável, daquelas que causam olhos vermelhos de raiva e muito cuspe no discurso, seu maior temor sempre foi o de ser inconveniente.
O medo era tanto que se acostumou rapidamente à resignada posição dos pacientes. Deixava que lhe tomassem a frente, as costas, os lados, os dinheiros, os amores. Era, pois, seu maior talento (mesmo com a insistência paternal de que havia também um dom para o desenho e para as letras, afinal, uma caligrafia tão bonita não podia ser desperdiçada assim): ficar na lista de suplentes.
Dentro dela, porém, também havia uma incontrolável ansiedade. Algumas vezes, ensaiava exigências aos berros. Mas, assim que iniciava, com calma e bem pontuada, notava o tédio nos olhos do interlocutor, e desistia. Não queria perder a companhia - qualquer companhia insignificante poderia se aborrecer e deixá-la. Já pensou?
Foi num desses devaneios, ensaiando mentalmente os debates que nunca chegaria a travar, que notou o semáforo saindo do amarelo pro verde. "Vá, minha filha, pode seguir", diria ele, se tivesse boca. Ciente de que estava autorizada, botou a primeira e arrancou lentamente. No meio da travessia, uma desrespeitosa Fiorino a deu um encontrão. Foi uma luta bonita entre cacos de vidro e lataria. 
Foi então que ela, inevitavelmente, incomodou alguém pela primeira vez em sua curta vida. Curta. Primeira e última vez. Primeira e única. Saiu desse mundo com a mesma sutileza de sempre, e, por tantos não-incomodar, ninguém chegou a sentir falta de verdade. Eu não senti.

domingo, 15 de abril de 2012

A Matéria de Capa

Pretensão é pouco para definir o que levou uma cidade como Prudentópolis a ter seu próprio noticiário de fofocas. Estava, no entanto, já intrínseco na cultura daquela gente o hábito, que, neste domingo, vinha estampado com duas polêmicas beatas de mãos dadas.
Os dizeres pouco valiam (para não dizer que não valiam nada): a foto falava por si só. Todos gritariam temerosos pela afronta, mas, alguns o fariam só para se sentir parte do todo. Os mais sensíveis, ainda, se esforçariam ao máximo para observar dentro de seus disfarces se mais alguém estava a fingir.
Contudo, não haveria quem não se identificasse e invejasse as duas ao ler a matéria especial do caderno. "Vou até aquilo que me emociona. O resto, como é resto (e, por sê-lo, também é inevitável), eu descarto" assinava a gordinha mais hipócrita que Prudentópolis já conheceu até então. Até se revelar e sair do armário.
"Se dói? Mas é claro que sim. De qualquer forma, prefiro a dor, acompanhada de uma boa dose de satisfação instantânea, que mais um dia qualquer de mesmice". Fecha aspas.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Vou dividir com vocês a leitura, mas só eu terei o prazer de ouvir.
Por Viviane Chiamulera.

Hoje eu acordei achando que iria te ver
Que o sol iria nascer
Seria possível

Hoje, o sol disse pra mim:
"Querida, continua tua vida
Que o resto já foi"

E os olhos que me mantinham à espreita
E o corpo que trazia a alegria
Necessária para mim

A luz continua acesa mesmo sem você
Mas não tem mais o brilho que tinha e deveria ter

Mesmo assim, caminhando por ruas que eu desconheço
Noto que a saudade arranha
E que eu, enfim, proclamo
Quero te ver

Tudo o que é fim tem um começo
Mas o fim e meu começo se ligam a ti

O sol disse: continua tua vida
O sol disse: continua tua vida
O sol disse: continua tua vida
Que o resto já foi

(CHIAMULERA, Viviane, 2012)