quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Drama e Pulôver

Conforme o combinado, não começaríamos este drama falando sobre o tempo. No entanto, logo percebemos que inventamos as regras para podermos quebrá-las sem culpa. Pois bem. Adiantamos logo no primeiro parágrafo: frio.
Frio para que imaginem nossos interlocutores com casacos forradinhos e cachecol. Não, casacos forradinhos lembram ternura, e não é esse o sentimento que queremos despertar. Entendam, ela de pulôver cor de vinho gola alta, ele de camisa branca e gravata. Frio, não?
Frio com chuva. Uhum. Calma, controlem suas mentes apressadas que já estão vendo noite, lareira, vinho tinto e vamos fazê-lo aqui no tapete mesmo. Noite, não. Manhã. A chegada repentina da chuva, que assustou nossos protagonistas, de fato, deixou tudo mais charmoso. Foi o que pensaram. Todo esse aconchego, pra não querer estar ali.
No sofá. O temporal cortou temporariamente a eletricidade (poderíamos ser mais óbvios?). Nenhum contato físico. Distância segura. Sentados lado a lado só pra disfarçar a hostilidade, mas um desconforto mútuo e um silêncio constrangedor os separa. É claro que lhes vêm à cabeça o como tudo foi ficar assim, e todas aquelas horas no telefone? Pieguice demais, uma revistinha de palavras cruzadas com uma atividade não terminada em cima da mesinha de centro, um pratinho com alguns farelos de biscoito. Logo as formigas vêm, mas dá medo de se mexer, devaneou a moça. Os ponteiros do relógio andando mais devagar que o normal. O cenário está pronto, atentemo-nos à pouca ação (vinte minutos que pareceriam vinte horas).
Ele fingia ler a Época, ajeitando os oclinhos de fina armação. Na verdade, a espionava. A revista, a gravata, os oclinhos e até a chuva eram desculpas para ficar ali um pouco mais. Já que seria o último dia. Isso foi o melhor que conseguimos na tentativa de criar um clímax.

Decidiu-se enquanto observava. Ela não conseguia esconder a impaciência, pernas balançando, unhas roçando na própria corrente de bolinhas que levava no pescoço causando um barulhinho chato. Ele percebeu tudo. Disse baixinho que a amava. Ela sorriu sem mostrar os dentes, se levantou e foi até a cozinha. De lá, gritou perguntando se ele queria mais biscoitos, mas quem teria fome numa hora dessas?
Só se fosse pra comer você, verbalizou em silêncio. Provocou um toque sutil de mãos quando ela voltou a se sentar. E, nada. Ela não tirava os olhos dos biscoitinhos de fubá que trouxera da cozinha, ele querendo ou não. Você foi longe demais.
Nada doeu mais que a falta de brilho nos olhos. Lembrou-se de quando a pediu em namoro, os corações palpitando e o indiscutível brilho nos olhos. Não restava mais nada, e o barulho da chuva era de chuva qualquer. Quando foi que a perdi?

Deixa pra lá.
- A chuva estiou. Melhor eu ir.
Despediram-se com um selinho gelado e rápido. Foi embora e não voltou mais. Ela nem notou.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Suma de lá

Como eu, que sou toda à flor da pele, poderia me esquecer? Eu estava , me entende? Não só soube, não só vi o troféu.
Eu estava lá quando ela saiu ajeitando os cabelos, fechando o zíper. Nem precisaria perguntar, a cara de criança que acabou de aprontar uma bobagem já me contava até muito mais do que minha curiosidade ousaria querer saber. É claro que, pra ela, não bastou.
Veio-me com aquele sorriso cúmplice e perverso, procurando em mim uma confidente e uma fracassada a quem pudesse se gabar. Ou algo do gênero, porque, pra mim, qualquer esforço vindo dela seria em vão; desde sempre a vi como uma patética (existe definição mais pesada que "patética"?) tentando imitar alguma coisa.
E, com uma frase simples, declarou minha sentença: daquela noite, eu não iria esquecer tão cedo.

As menos de três palavras que me confirmaram o que eu já sabia me fizeram enxergar. E eu ainda vejo, me entende? Te vejo com ela, naquela noite. Tuas pupilas dilatadas enquanto era a ela que você via. Enquanto sussura no ouvido dela, respira no pescoço dela, mordendo, sugando, chupando, comendo - ai, meu Deus, como me dói!

Três palavras, um sorrisinho e se levantou. Foi até a pia e lavou a boca. Tratou a água como se fosse um desinfetante. E saiu, pateticamente exultante, de encontro ao oficial. Beijou-lhe no rosto, tentando disfarçar com os olhos arregalados de sempre e leves tropeços no seu caminhar torto.

E você, seu bosta? Saiu pouco depois, sozinho, escondido como um rato que foge sorrateiramente do esgoto para que ninguém o descubra. Podia nem gritar sobre a vitória recente da liberdade e do ar puro que encontrara nas ruas da cidade, pra não chamar a atenção e ser esmagado. E, assim, você saiu. Passou por mim, e nem me viu.

Não é fácil esquecer. O que você ficou fazendo no meu passado todo esse tempo em que te fui invisível? Suma, sabe? Suma de lá, nasça agora, nunca tenha existido sem mim. Suma do meu passado, venha para o meu presente e fique para o meu futuro.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Quando o estranho está

Sinto um estranhamento familiar. É o fim ameaçando chegar. Quase não há coisa pior do que sentir os pés nessa corda bamba. Querer se manter lá em cima, mas o corpo reclamando do cansaço que o esforço pra se manter em equilíbrio lhe tem causado.
Não, não quero desistir. Mas falo aqui do prenúncio. A última vez que o senti, eu, de fato, escorreguei. E doeu. O que veio depois foi, por que não dizer, punk. Jurei para mim mesma que jamais deixaria o estranho se aproximar novamente. Faria de tudo pra evitá-lo. Mas não é assim, meus caros. O estranho não aperta campainha. Ele, simplesmente, está.
Invadindo meus sonhos, meu travesseiro, minha alma, meus cabelos. É aquela palavra que começa a dar medo dizer. São as pequenas coisas que começo a evitar porque, de repente, nos costuramos num tabu no qual nada se nega e nem se afirma. Corda bamba, o prenúncio. Vem com aquela música dos Beatles que já me alertou antes, e, todo esse tempo depois, voltou a me assombrar.

You're gonna lose that girl.
(Yes, yes, you're gonna lose that girl)
You're gonna lose that girl!