segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Se um homem devesse viver a sua vida em toda a plenitude, dar forma a todos os sentimentos, expressão a todos os pensamentos, realidade a todos os sonhos, creio que o mundo ganharia um novo impulso de alegria que nos levaria a esquecer todos os males do medievalismo e a regressar ao ideal helênico. Talvez mesmo a algo mais refinado e mais rico que o ideal helênico. Mas o mais ousado de todos nós teme a si mesmo. O selvagem mutilado que nós somos sobrevive tragicamente na auto-rejeição que frustra as nossas vidas. Somos punidos pelas nossas rejeições. Todo o impulso que esforçadamente asfixiamos fica a fermentar no nosso espírito, e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e mais não precisa, pois a ação é um processo de purificação. E nada fica, a não ser a lembrança de um prazer, ou o luxo de um pesar. Ceder a uma tentação é a única maneira de nos libertarmos dela. Se lhe resistimos, a alma enlanguesce, adoece com as saudades de tudo o que a si mesma proíbe, e de desejo por tudo o que as suas leis monstruosas converteram em monstruosidade e ilegalidade. Diz-se que as grandes realizações deste mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e só aí, que ocorrem os grandes erros do mundo.

(WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray, 1891)

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