sexta-feira, 4 de junho de 2010

Há de se ser frio para girar a chave, assim, na porta, como se fosse uma saída qualquer. Pouco antes, enxergara o reflexo de seu vulto no espelho que fica no fim do corredor. Foi orgulho o que sentiu ao ver a inocência antes habitante daquele rosto perder o reinado para olhos de brilho cruelmente charmoso.
Bateu a porta sem força, mas o barulho retumbou no peito. Prazer. "Então é assim que sorriem os sádicos", pensou. "Com sangue escorrendo entre os dentes". Sábios. Questão de segundos para mudar a fisionomia e a emoção. De humilhação a prazer. Há de se ser frio para sorrir assim após tomar essa decisão. Pois, com tal escolha, acordaria também o não mais pertencer à sociedade. "A sociedade é que pertence a mim", completou em pensamento, para deixar a frase bonita.
De cidadã comum a psicopata marginalizada. Até as unhas, que até então representavam sua destreza e caráter absurdamente confiável pelo rigor do zelo (era de alinhamento e brilho invejáveis) agora, roídas e pintadas de vermelho, com o esmalte descascando, a expunham como uma vilã barata de minissérie de quinta. Ou uma putinha qualquer.
Foi-se sem trancar a porta. Era o dia da subversão. Guiou calma e sem pressa. Não queria que nada lhe ancorasse no caminho. Entrou sem bater. Já de luvas, pegou o canivete na mesma gaveta de sempre. Encontrou-o dormindo, como esperava. Deu-lhe um beijinho na ponta do nariz para que acordasse tranqüilo. Fez questão de que se olhassem nos olhos. Espetou-lhe a garganta. De longe, pra não se sujar de sangue.
Entrou na padaria vizinha louca por um cigarro e um café.

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