quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Inescrupulosamente Entre os Cacos de Vidro das Garrafas e o Temporal - pt. II

Podia ter chovido. Podia ter sido em silêncio. Mas não. Saí do pequeno corredor suja, descabelada, molhada, com cheiro de esgoto e em choque. Encontrei a noite mais linda do mundo. As luzes permaneciam coloridas. Os carros continuavam andando devagar, pra contemplar a decoração, pra achar um bom lugar pra ir. Os músicos dos bares ainda estavam cantando as mesmas canções sou-vagabundo-eu-confesso e as pessoas ainda se amontoavam na pequena área para fumantes, segurando o mesmo copo de bebida e sorrindo como se não tivessem problemas. Eu acabei de quase, e ninguém percebeu. O mundo deu de ombros para mim, que me descobri a pessoa mais sozinha nele.
Fiquei na dúvida se ficava apavorada imaginando o-que-poderia-ter-sido ou se agradecia minha sorte por não-ter-sido. Veio-me uma vontade de ligar pra minha mãe.
Tateei os bolsos da calça, e meu celular não estava lá. Procurei no meio da bagunça da minha bolsa, e nada. Olhei o chão em volta. Também não. Ponderei pelo tempo de um instante. Respirei e concluí o que só podia ser: eles levaram. Roubaram o celular. Todo esse medo, todo esse susto, todo esse trauma-que-vou-levar-para-o-resto-da-vida por um celular? Senti-me aliviada. Não foi o fim do mundo, afinal. Foi, talvez, um sinal de que tem algo começando - coisa que eu posso, e vou, começar junto.

Atravessei a rua e entrei numa lojinha de roupas que estava aberta até aquela hora porque era Natal. Comprei um tubinho preto, que eu não tinha costume de usar, calcinha, sutiã e sandália. Paguei e me troquei ali mesmo, no provador da loja. Joguei fora todas as roupas que usava durante o "incidente", pra nunca mais ter por que lembrar. Saí de lá já me sentindo outra pessoa. O que eu mais precisava, depois do susto e das roupas novas? Um bar.
Escolhi aquele mesmo, do músico sou-vagabundo-eu-confesso e da pequena área para fumantes. Mesa pra um, por favor. Eu nunca havia me sentado sozinha na mesa de um bar. A princípio, pensei que receberia alguns olhares de desprezo e alguns de compaixão pela minha situação. Mas não. Recebi fascínio, curiosidade e até inveja. O primeiro gole de cerveja foi bom demais. Senti, ali, a vida acontecendo como sempre aconteceu, mas, pela primeira vez, comigo fazendo parte dela.
Não tardou para que eu me juntasse à ala dos fumantes e conhecesse pessoas interessantes. Conversei com qualquer quantidade de malucos, troquei flertes, contei a história da minha vida e até cantei uma com o músico. Vivi. Vivi com uma intensidade absurda comparada à que eu julgava viver antes.

Acordei já passava das 13h, e, comigo, um mal-estar adolescente: ressaca. Quando consegui abrir os olhos e levantar, fui até a cozinha beber água. Um bilhete.


Tem um mundo inteiro esperando por ti lá fora, e, 
pode parecer piegas, mas eu adoraria fazer parte dele.
M.

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