Podia ter chovido. Podia ter sido em silêncio. Mas não. Saí do pequeno corredor suja, descabelada, molhada, com cheiro de esgoto e em choque. Encontrei a noite mais linda do mundo. As luzes permaneciam coloridas. Os carros continuavam andando devagar, pra contemplar a decoração, pra achar um bom lugar pra ir. Os músicos dos bares ainda estavam cantando as mesmas canções sou-vagabundo-eu-confesso e as pessoas ainda se amontoavam na pequena área para fumantes, segurando o mesmo copo de bebida e sorrindo como se não tivessem problemas. Eu acabei de quase, e ninguém percebeu. O mundo deu de ombros para mim, que me descobri a pessoa mais sozinha nele.
Fiquei na dúvida se ficava apavorada imaginando o-que-poderia-ter-sido ou se agradecia minha sorte por não-ter-sido. Veio-me uma vontade de ligar pra minha mãe.
Tateei os bolsos da calça, e meu celular não estava lá. Procurei no meio da bagunça da minha bolsa, e nada. Olhei o chão em volta. Também não. Ponderei pelo tempo de um instante. Respirei e concluí o que só podia ser: eles levaram. Roubaram o celular. Todo esse medo, todo esse susto, todo esse trauma-que-vou-levar-para-o-resto-da-vida por um celular? Senti-me aliviada. Não foi o fim do mundo, afinal. Foi, talvez, um sinal de que tem algo começando - coisa que eu posso, e vou, começar junto.
Atravessei a rua e entrei numa lojinha de roupas que estava aberta até aquela hora porque era Natal. Comprei um tubinho preto, que eu não tinha costume de usar, calcinha, sutiã e sandália. Paguei e me troquei ali mesmo, no provador da loja. Joguei fora todas as roupas que usava durante o "incidente", pra nunca mais ter por que lembrar. Saí de lá já me sentindo outra pessoa. O que eu mais precisava, depois do susto e das roupas novas? Um bar.
Escolhi aquele mesmo, do músico sou-vagabundo-eu-confesso e da pequena área para fumantes. Mesa pra um, por favor. Eu nunca havia me sentado sozinha na mesa de um bar. A princípio, pensei que receberia alguns olhares de desprezo e alguns de compaixão pela minha situação. Mas não. Recebi fascínio, curiosidade e até inveja. O primeiro gole de cerveja foi bom demais. Senti, ali, a vida acontecendo como sempre aconteceu, mas, pela primeira vez, comigo fazendo parte dela.
Não tardou para que eu me juntasse à ala dos fumantes e conhecesse pessoas interessantes. Conversei com qualquer quantidade de malucos, troquei flertes, contei a história da minha vida e até cantei uma com o músico. Vivi. Vivi com uma intensidade absurda comparada à que eu julgava viver antes.
Acordei já passava das 13h, e, comigo, um mal-estar adolescente: ressaca. Quando consegui abrir os olhos e levantar, fui até a cozinha beber água. Um bilhete.
Tem um mundo inteiro esperando por ti lá fora, e,
pode parecer piegas, mas eu adoraria fazer parte dele.
pode parecer piegas, mas eu adoraria fazer parte dele.
M.