depois de acordar e perceber que o edredon só faz sentido em dias frios, e ter que aceitar que não se pode controlar nem imaginar quando vai ficar quente no meio da madrugada e você vai acordar suando com o edredon que te sufocou? Pior ainda é cobertor, que dá alergia em pessoas medíocres como eu, e pode ser o início de uma longa discussão que deixa uma ferida aberta e que, sabe-se lá se um dia vai fechar, e quando vamos parar de dramatizar essa situação que só um minimalista convicto, sem erva, sem pó, nem tv a cabo é capaz de pensar. Mas insatisfação mesmo é quando você se vê no espelho, falando com propriedade, levantando bandeira e batendo no peito por se perceber parte de uma parte da população, que, assim como você, empelota quando come manga.
Iniciando o cumprimento de minhas ambiciosas metas de vida, esse é o primeiro da série de posts que farei para estudo. Tenho um mês, portanto, torçam por mim. Da lista de seis filmes, já vi
Hiroshima, meu amor (o qual terei que assistir novamente, pois cheguei a cochilar em algumas partes), e, agora
Santiago, de 2007, escrito e dirigido por João Moreira Salles (é, o irmão do Walter Salles). Entenda
aqui.
Vamos lá. Literalmente cinema-arte, eu diria. Uma fotografia linda, uma linguagem diferente, mas não consegui me envolver com a história. Pra ser bem sincera, eu só me via, de fato, conseguindo tirar algum proveito do documentário quando o narrador interrompia Santiago, o mordomo, mostrando o lado obscuro da produção, ou mesmo contando alguma história na visão de João, quando deixava de ser o documentarista para ser o filho da família rica brasileira, que dava festas luxuosas e tinha um mordomo erudito e sofisticado. Sofisticação tanta que tocava castanholas em músicas (aqui, gostei da generalização usada no texto)
que não eram espanholas, e escrevia uma espécie de enciclopédia sobre famílias nobres, artistas, e o que mais ele julgasse importante. Tudo devidamente guardado e catalogado, anos depois, no apartamento onde moraria sozinho, no Leblon.
Tudo isso eu entendi. Claro, quem me contou foi o narrador. É. Porque quando o pobre velhinho abria a boca para começar a contar suas encantadoras histórias, minha mente, simplesmente, dispersava - e não é por mal, isso é coisa difícil de controlar. Sei que posso estar parecendo cruel e ignorante, mas nosso ilustre personagem é um argentino, e, para mim, que não domino o idioma espanhol, além do plano parado, distante e preto e branco, havia uma barreira lingüística me impedindo de prestar atenção.
Cinqüenta e sete minutos (hipérbole, nós te amamos) assim, a cena parada, o senhorzinho contando uma história que eu não conseguia entender... Se há muita estética e não tanta preocupação com o enredo (afinal, a história do filme não era mais o mordomo, e sim o filme que iam fazer sobre ele, e não fizeram), alguns recursos merecem destaque, como o texto e a montagem em si. E também, algo que os editores mais desavisados (ou petulantes mesmo, que têm preguiça de ler e descobrir a merda do Adobe Premiere), chamam de
Fade.
Fade é quando a imagem some ou aparece
gradativamente, sendo dissolvida na tela, que não é o que vou falar em seguida. Mania de brasileiro, de usar o termo errado.
Chamam de
fade quando você deixa um espacinho na linha do tempo, e, sem perceber exporta o arquivo, deixando uma parte "em branco", que, na verdade, fica preto quando você vai assistir. O diretor usou esse recurso para, em algumas partes, deixar apenas o áudio ambiente, ou um off, dando aquela impressão de, no primeiro caso: estou lá, participando da produção do filme, ou, no segundo caso: reflitam aí sobre.
E a fotografia? Falei da fotografia. É, cinema-arte. Planos parados, horas e horas... Aí Santiago resolveu mostrar a dança das mãos. Tomem cuidado com essa parte.
Não vejo como ela possa ter alguma relevância no todo (assim como as milhões de histórias que eu não entendi), mas me chamou a atenção e foi uma cena que me marcou, no filme. Talvez, por ser demorada. Fica legal quando a música dá uma animada, depois, chega!
Como deu pra perceber, após muita enrolação, Salles nos mostra de onde tirou a inspiração para os geniais enquadramentos que havia adotado em 1992: "Viagem a Tóquio", filme de Yasujiro Ozu (quem?). A semelhância é atrevida e até cara-de-pau. Ele não esconde. É de um trecho desse filme que veio o mais bonito diálogo, que coloquei aqui no começo, valorizado, claro, pelo texto e narração de
Santiago:
- A vida não é uma decepção?
- Sim, ela é.
Aqui poderia ter havido o discurso sobre insatisfação. Eu o vi, ensaiado, nas entrelinhas. Não porque vejo insatisfação em tudo, mas porque ela
está em tudo.
João Moreira Salles encerra o filme sem medo de expôr o que muitos podem ter considerado cruel: a vida sendo tratada como produto industrial. Quando Santiago vai contar uma história e se refere a ele como "Joãozinho", Salles pede para que ele pare, e grave de novo. Sem "Joãozinho".