terça-feira, 27 de março de 2012

Never gonna be the same

Contrariando tudo o que sempre dizem, a protagonista tinha certeza que se fosse a primeira vez que tal sentimento viesse a tona, seria mais fácil de lidar. Foda-se a experiência e a frieza com ela adquirida: restou a admiração por quem nela pisa. O masoquismo que a outra nunca soube, de fato, explorar.
Trabalhar, viver, comer. Era tudo tão difícil. Por que esse glamour de repente?
A dor veio tão forte e tão inesperada que lhe cortou a inspiração. Vocês sabem: é difícil, para ela, perder a inspiração quando a dor a consome; tão difícil quanto tê-la, quando o momento é de alegria.
E o momento não era triste, mas, mesmo assim, invasiva como sempre, intrometida e mal educada, a dor veio arrombando as portas da casa e disseminando a insatisfação. A famigerada insatisfação crônica. Tantos sentimentos repetidos que estavam escondidos, vieram todos, glamourizando o pior momento da sua vida.
That will never come back.
And never gonna be the same.

A pior parte foi a calmaria que veio depois. A única frase para consolar, foi: "um dia, quem sabe", ressoando e convencendo com a mesma persuasão que a fez cegar por tanto tempo. E o único desejo foi de apenas mais uma noite de ilusão, como se nada tivesse acontecido, como se nada tivesse mudado. Exatamente como pediu: um amor tão intenso que sobrepujasse as feridas, cegasse a razão, ridicularizasse o tempo e fizesse falta a ponto de cortar o peito com alicate. A dor estaria tão orgulhosa.

Goodnight, goodnight, sem quentinho, sem adeus.


segunda-feira, 12 de março de 2012

Just bring me a glass of whisky and the smell of the nights' end.

Não costumo postar textos que não são meus, mas este é, pra mim, especial.

Cassiano R. Galli

Não sei ao certo o que torna o fim de noite algo especial, se é o cansaço do dia, a temperatura, o vento suave, a dor no peito, ou nos casos mais sortudos, a alegria no peito, se é a cerveja, a fumaça do cigarro, os dedos das mãos entrelaçados, os cachorros nos pés e o silêncio do sono alheio ou se é tudo isso em conjunto com a mente tranqüila de quem sabe que nenhum outro momento é melhor do que o atual. Mas nessas horas sentado na rua ou na grama de casa, quando se está tudo vem a mente, desde a ultima frase da noite até a pessoa que não sai dos seus pensamentos.
Era isso que Miguel tinha flutuando pela sua mente nesse momento. a noite estava no fim, em quarenta minutos a efusividade do sol de sábado de manhã tomaria conta do ambiente e acabaria com o sua momento de solidão sentado no quintal sob o céu negro e incógnito de sua cidade pacata e preconceituosa.
A sexta-feira foi como de costume, em um bar com os amigos bebendo e ouvindo as conversas sendo jogadas fora, mas desta fez, Miguel se manteve quase calado o tempo todo, nem mesmo ele sabe o motivo, mas foi o que o coração mandou fazer, conversou o suficiente para ninguém desconfiar de nada do que acontecia em suas entranhas emocionais. Ele sempre foi assim, sorrir para não chorar? Não mesmo, Miguel sorria para fazer os outros sorrirem e assim pegar carona em suas alegrias. Miguel não sorria sozinho, não haviam motivos para isso, então ele saia para sorrir com os outros.
Desde antes mesmo de chegar ao ponto de amar fins de noite, Miguel sabia que não vivia a melhor parte do dia, nunca até está sexta houve o momento em que ele sentasse para conversar com o verdadeiro Miguel, o que não sorria nunca. Sentados no quintal desta sexta, os dois se encontraram para conversar.
− Hoje foi foda né?
− Foi sim, bem complicado...
− Eu a vi.
− Você viu quem?
− Ela oras, você sabe de quem eu estou falando.
− Sei, mas não gostaria de saber
−É foda, até para mim que não estou na prisão de carne e educação e preciso fingir como você, é foda.
−Mas sabe posso viver com isso.
− E esperar até que tudo termine sozinho? Você sabe que não tem o dom de estourar quando chega no limite como todo mundo não sabe?
−Claro que eu sei, mas é que, que ah eu não sei explicar.
− O que será que será, que anda guardando na sua mente e nunca dirá, que tem tanto medo de me explicar, você sabe que não tem sentido e nunca terá.
−Assim você não me ajuda.
− Essa nunca foi a minha intenção mesmo, só estou falando alto pelos botecos
−Está na natureza que será que será, o que não tem certeza e nunca terá.
− Viu só, você ai detendo da sociedade, sabe do que eu estou falando só não admite por ter medo de agir.
−Não posso nem te xingar por isso não é?
−Você pode, mas não vai adiantar...
−Filho da puta! droga, você continua aqui não é?
−...
−Certo, continua sim, mas e agora você sabe o que eu penso e minhas motivações, e o que me diz?
−Digo que você é um idiota
−Mas você falou que não adiantava xingar
−Não, eu disse que para você não adiantaria xingar, eu me sinto melhor agora
−As vezes me arrependo de te chamar para conversar, eu devia é achar um outro prisioneiro como eu.
−E vai crescer como assim?
−Eu posso me apoiar nele para ficar mais alto
−Você sabe que vai acabar sendo o apoio não é?
−... Desde quando você está sempre certo?
−Eu nasci com você imbecil.
−Hey!
−O que? vai me olhar nos olhos virar para trás e dizer que tudo o que tem lá são acertos?
−Nem tudo, mas houveram momentos bons.
−Sim, os imaginários...
−É por isso que só falo contigo nos fins de semana.
−E eu te agradeço por isso, posso te fazer sentir mal com propriedade.
−Vou lá buscar mais uma cerveja, quer?
− Não, eu estou bem obrigado.
−Você quem sabe...
−É... eu sei...
E andando cabisbaixo foi-se Miguel ao encontro da sua geladeira, encontrou um cigarro no caminho e o acendeu, sentando novamente no seu quintal, mas desta vez na rede, pendurada entre as árvores secas que já não dão mais frutos, porém em sua totalidade são lindas. Acendeu o cigarro, abriu a cerveja deitou na rede e lá estava ela.
−Oi?
Disse ela ao ver a chama do isqueiro acender.
−Oi, desde quando você está ai?
−Um pouco depois do senhor dos sorrisos sair, você tinha ido para a cozinha, mas sabia que iria voltar.
−Sou bem previsível não é? Ainda mais para você
−Todos os enjaulados são...
Miguel só podia suspirar ao ouvir isso. E a única coisa que conseguiu pensar para dizer foi:
−Eu gosto da sua companhia, mesmo dolorosa.
−Own, que lindo isso, Miguel havia me falado sua noite não foi das melhores, é verdade?
−Sim, foi foda...
−Entendo...
−Mas consegui trazer um pouco de alegria a mesa hoje.
−E para você mesmo?
−Não.
−Mais uma vez se sacrificando por outras pessoas?
−É por ai, sei que não vou ganhar nada com isso além de pequenas doses efêmeras de contentamento, mas é o que tenho de melhor a oferecer
−E para você nada?
−Bom, sempre respondiam tudo nas comemorações de aniversário até os seis anos
−E agora o que dizem?
−Agora eu não comemoro aniversários...
−É foda
−Eu sei que tenho que pensar em mim as vezes, mas não foi assim que eu cresci
−Pois se quebre para crescer de novo!
−Já estão me quebrando, aos poucos, constantemente, e por minha culpa.
−Eu vou até a cozinha, quer alguma coisa?
Nesse momento Miguel parou de falar, levantou-se, sentou na rede, olhou para o céu e viu que o sol efusivo nascia e seu momento ia terminando, olhou no fundo dos seus olhos castanhos, dentre as sardas do seu rosto, uma sensação estranha corria pelo seu coração, um misto de alegria, nostalgia e tristeza por saber que seu tempo com ela estava acabando, olhou para o céu novamente e de novo para ela e disse:
− Just bring me a glass of whisky and the smell of the nights' end...
Ela levantou, calçou seu all star vermelho, bateu a poeira da calça jens, ajeitou a camiseta roxa, e foi andando vagarosamente em direção a cozinha, com seu cabelo castanho na altura dos ombros balançando com a suave brisa da saudade. Quando o primeiro raio do sol de sábado se abateu sobre a sua cabeça ela começou a desaparecer suavemente aos poucos, Miguel piscou e ela havia desaparecido, deitou na rede novamente, deu a ultima tragada no cigarro, fechou os olhos e em sua expressão se podia ver claramente, escrito dentre as marcas do tempo, a barba e as lágrimas a expressão: É... É foda...