Cidade pequena. Um dos pontos centrais. Todas as pessoas que fossem de algum lugar qualquer para qualquer outro, passavam pela Estação. Havia gente pela manhã, à tarde e à noite. Volta e meia, um ou outro caía por lá mesmo pela madrugada. Mas era à tarde que calhavam as mais singulares incidências.
Era mais feia que eu, mas nem por isso deixava de exercer sobre mim uma certa simpatia peculiar. Percebi-a sutilmente, quando senti me arder o rosto ao tentar responder alguma pergunta tola de duplo sentido. E surpreender-me constrangido, não sei a vocês, mas a mim causa um rebuliço jocoso, que leva o ardor antes facial para toda a região do meu peito, induzindo-me a um acanhamento de proporções estúpidas, do tipo deixar transparecer.
Alguns dias depois, sem a menor necessidade de esconder a presunção, me perguntou o porquê do nervosismo daquela tarde. Menos pelo conformado-que-não-chora-sobre-o-leite-derramado que sou e mais pela distância segura em que me encontrava, vi-me sem a menor necessidade de mascarar o ocorrido. De fato, creio que a situação só pioraria, talvez eu parecesse ainda mais bobo se inventasse desculpas. Joguei-lhe na cara: porque me deixas nervoso, sem mais nem porquê. Falei pensando: mas não de paixão, eu acho, minha cara. Nervoso de nervoso. Pela incerteza que me encontrei em pensamento, achei mais sensato não revelar tantos detalhes. Deixas-me nervoso, sem mais nem porquê.
Vaidosa, logo quis se aproveitar de minha fragilidade recém-descoberta e me perguntou algo que não deveria ter perguntado. Não se me quisesse assim, em suas mãos. "E tem mais alguém que te deixa assim?"
Sim, havia. Não precisei fazer uma grande busca na minha memória para me lembrar. Na verdade, não fiz busca nenhuma. Antes mesmo que ela terminasse a pergunta, já me veio à cabeça a imagem. Uma tarde como essa, na mesma Estação, mas outra garota. Essa, pelo contrário, não me fazia perguntas. Tinha o dom de me provocar sutilmente pelo jeito como me olhava, como mordia os lábios e pelo tom de voz usado quando me dirigia a palavra. Era eu quem fazia as perguntas, mas ela quem dava as cartas. Cada palavra era, pra mim, um desafio. Eu sentia uma vontade irracional de aceitar cada um deles, mas o meu medo de fazer feio e destruir o encanto era maior. Saí com algumas palavras elegantes e um copo de café.
É claro que essa parte eu não contei. Apenas lhe disse que sim, havia alguém, e, no mesmo momento, vi meu medo sumir, e, com ele, o tal vagaroso encanto. Em seu lugar, passei a pensar apenas na garota da outra tarde. Que não vi mais por lá, mas, desde então, tenho procurado para contar-lhe do receio charmoso que sua presença me traz.
E a Estação tem exercido sobre mim um fascínio duvidoso, como um nostálgico dos anos dois mil, que sente saudade daquilo que nunca viveu.