terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Estação

Cidade pequena. Um dos pontos centrais. Todas as pessoas que fossem de algum lugar qualquer para qualquer outro, passavam pela Estação. Havia gente pela manhã, à tarde e à noite. Volta e meia, um ou outro caía por lá mesmo pela madrugada. Mas era à tarde que calhavam as mais singulares incidências.
Era mais feia que eu, mas nem por isso deixava de exercer sobre mim uma certa simpatia peculiar. Percebi-a sutilmente, quando senti me arder o rosto ao tentar responder alguma pergunta tola de duplo sentido. E surpreender-me constrangido, não sei a vocês, mas a mim causa um rebuliço jocoso, que leva o ardor antes facial para toda a região do meu peito, induzindo-me a um acanhamento de proporções estúpidas, do tipo deixar transparecer.
Alguns dias depois, sem a menor necessidade de esconder a presunção, me perguntou o porquê do nervosismo daquela tarde. Menos pelo conformado-que-não-chora-sobre-o-leite-derramado que sou e mais pela distância segura em que me encontrava, vi-me sem a menor necessidade de mascarar o ocorrido. De fato, creio que a situação só pioraria, talvez eu parecesse ainda mais bobo se inventasse desculpas. Joguei-lhe na cara: porque me deixas nervoso, sem mais nem porquê. Falei pensando: mas não de paixão, eu acho, minha cara. Nervoso de nervoso. Pela incerteza que me encontrei em pensamento, achei mais sensato não revelar tantos detalhes. Deixas-me nervoso, sem mais nem porquê.
Vaidosa, logo quis se aproveitar de minha fragilidade recém-descoberta e me perguntou algo que não deveria ter perguntado. Não se me quisesse assim, em suas mãos. "E tem mais alguém que te deixa assim?"
Sim, havia. Não precisei fazer uma grande busca na minha memória para me lembrar. Na verdade, não fiz busca nenhuma. Antes mesmo que ela terminasse a pergunta, já me veio à cabeça a imagem. Uma tarde como essa, na mesma Estação, mas outra garota. Essa, pelo contrário, não me fazia perguntas. Tinha o dom de me provocar sutilmente pelo jeito como me olhava, como mordia os lábios e pelo tom de voz usado quando me dirigia a palavra. Era eu quem fazia as perguntas, mas ela quem dava as cartas. Cada palavra era, pra mim, um desafio. Eu sentia uma vontade irracional de aceitar cada um deles, mas o meu medo de fazer feio e destruir o encanto era maior. Saí com algumas palavras elegantes e um copo de café.
É claro que essa parte eu não contei. Apenas lhe disse que sim, havia alguém, e, no mesmo momento, vi meu medo sumir, e, com ele, o tal vagaroso encanto. Em seu lugar, passei a pensar apenas na garota da outra tarde. Que não vi mais por lá, mas, desde então, tenho procurado para contar-lhe do receio charmoso que sua presença me traz.

E a Estação tem exercido sobre mim um fascínio duvidoso, como um nostálgico dos anos dois mil, que sente saudade daquilo que nunca viveu.

Tem gente que espera flores

Eu, que nunca fui muito das rosas nem de Deus, me encontro agora neste ritual quase religioso e de quase adeus. Elas já estavam partindo, de cabeça baixa. Escolhi a mais forte e bonita.
Agora, a enterro nas pesadas páginas deste meu relato.
Para que, aqui, seque. Para que, aqui, morra.
Para que, aqui, renasça, a cada sentir falta.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Se um homem devesse viver a sua vida em toda a plenitude, dar forma a todos os sentimentos, expressão a todos os pensamentos, realidade a todos os sonhos, creio que o mundo ganharia um novo impulso de alegria que nos levaria a esquecer todos os males do medievalismo e a regressar ao ideal helênico. Talvez mesmo a algo mais refinado e mais rico que o ideal helênico. Mas o mais ousado de todos nós teme a si mesmo. O selvagem mutilado que nós somos sobrevive tragicamente na auto-rejeição que frustra as nossas vidas. Somos punidos pelas nossas rejeições. Todo o impulso que esforçadamente asfixiamos fica a fermentar no nosso espírito, e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e mais não precisa, pois a ação é um processo de purificação. E nada fica, a não ser a lembrança de um prazer, ou o luxo de um pesar. Ceder a uma tentação é a única maneira de nos libertarmos dela. Se lhe resistimos, a alma enlanguesce, adoece com as saudades de tudo o que a si mesma proíbe, e de desejo por tudo o que as suas leis monstruosas converteram em monstruosidade e ilegalidade. Diz-se que as grandes realizações deste mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e só aí, que ocorrem os grandes erros do mundo.

(WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray, 1891)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Apaixone-se por mim.

Não um amor de mesa posta, talheres de prata, toalha de renda, não um amor de terça-feira, água morna, gaveta arrumada. Apaixone-se por mim no meio de uma tarde de chuva, rua alagada, rosas na mão, um amor faminto, urgente, latejante, um amor de carne, sangue e vazantes, um amor inadiável de perder o rumo o prumo e o norte, me ame um amor de morte. Não me dê um amor adestrado que senta, deita, rola e finge de morto, que late, lambe e dorme. Apaixone-se felino, sorrateiramente e assim que eu me distrair, me crave os dentes, as unhas, role comigo e perca-se em mim e seja tão grande a ponto de me deixar perder. Ame minhas curvas, minha vulva, minha carne, me fecunde e se espalhe por meus versos, meus reversos, meus entalhes. Faça eu me sentir amada, desejada, glorificada em corpo e espírito que eu nunca soube o que é ser de alguém, mas preciso que me ensines, que me fales, que me cales, amém.

ANTONIETE, Patrícia.
Realmente o que queremos é comida rápida, em embalagem descartável. Comer e nem sujar a louça.

De fato troquei este que já me foi muito estimado blog por um espaço viciante limitado por apenas 140 caracteres.
Tá aí uma possível resolução para 2010: voltar a tentar escrever.

Quem sabe!